Total de visualizações de página

sábado, 6 de setembro de 2014

Automutilação - Quando a dor emocional fere o corpo


De forma geral, são tantas as maneiras que o humano encontra para atenuar a sua angústia que o assombra e a automutilação é mais uma delas. É uma forma de dar contenção, quando o sentimento se sobrepõe ao limite do insuportável. Podemos pensar que talvez para esses indivíduos esse seja o único recurso disponível para suportar a angústia já que o sintoma, apesar de hoje em dia ser tão falado é de igual forma não entendido, mal interpretado e, muitas vezes pela ignorância humana, banalizado e até ironizado como sendo uma forma de o indivíduo chamar a atenção, coisa que jamais passará perto da realidade!
A automutilação
 é o sintoma de uma profunda dor psicológica que não consegue ser expressa de outra forma... por vezes existem episódios em que nem o se cortar é suficiente para conter a angústia e então podem ocorrer as tentativas de suicídio.

O mais falado e conhecido por todos é o cutting (ato de se cortar) mas nem só ele é sinônimo de automutilação. A automutilação é o ato de se machucar intencionalmente, de forma superficial, moderada ou profunda, sem intenção suicida consciente. São atos lesivos contra o próprio corpo, como cortes, perfurações, mordidas, beliscões, enforcamentos, ingerir agentes corrosivos ou perfurantes como alfinetes, socar ou cabecear paredes ou superfícies duras, hiper-medicar-se ou drogar-se, espancamentos feitos a mão ou com o uso de objetos, etc., alegando-se a intenção de aliviar tensões ou outros sentimentos profundos.
Nessas ações são vividas sensações de confuso prazer já que, quando a dor física é intensa, são libertadas endorfinas agindo no cérebro com uma sensação de "bem-estar" que diminui a ansiedade e a tristeza, tornando a mutilação um vício. Quando o cérebro começa a ligar o falso senso de alívio com os sentimentos ruins ao ato da mutilação e anseiam este alívio na próxima vez que tiver essa tensão é hora de terem a certeza que sozinhos a luta vai ser mais difícil e a ajuda é absolutamente necessária. Quando a automutilação se torna um comportamento compulsivo, pode parecer impossível de parar, é algo que acaba controlando a pessoa mas, se você está lendo este artigo agora, lembre-se que a automutilação é o sintoma duma doença e que pode sim ser controlado e, no caso, abandonado.

Logo após uma crise, em que o auto mutilador fere o próprio corpo ou apresenta qualquer outro comportamento auto agressivo, o sentimento que permanece é, geralmente, de culpabilidade. O indivíduo geralmente chora muito e a sensação de fracasso é extrema.Não é fora do comum ouvir desses pacientes falarem de si próprios e se auto-definirem como "lixo humano" depois terminarem e caírem na realidade. A sua realidade é de fato que nada muda... tudo continua igual a uns minutos atrás e só mudará quando buscarem ajuda e começarem a luta contra essa compulsão que nada mais faz do que destruir-los a cada gesto contra si mesmos.
O "gozo" não serve para nada porque ele reduz o indivíduo a uma instância negativa, e seu resultado é o vazio. Com efeito, o gozo não seria da ordem do direito, e sim do dever, pois quem impõe a alguém gozar é o superego, tal como afirma Freud em 1924 sobre o masoquismo do Eu, que, submisso a um sadismo superegoico, não consegue escapar de tal condição.

“Nada força ninguém a gozar, senão o superego
. O superego é o imperativo do gozo – Goza!” (Lacan, 1972-1973/1985, p. 11).

A dor é um fenômeno que ajuda a entender o limiar entre prazer e desprazer, pois tal experiência está na fronteira entre essas sensações. A dor está ligada às pulsões, no sentido de que ela vincula o campo somático e o campo psíquico, tendo a função de alerta. É produto do exagero de excitação que invade o campo psíquico, numa grande quantidade de energia, e estando muito acumulada no organismo, não tendo sido descarregada adequadamente, pode paralisá-lo, tal qual a angústia não elaborada. Assim, ao invés de uma defesa, para evitar um problema maior, a dor em excesso se torna o problema em si. (Freud, 1895/1990; Lacan, 1959-1960/1997).

Sei que pode parecer meio estranho e, conscientemente as coisas poderem parecer não funcionar bem assim mas a mente humana é bem complicadinha e cheia de armadilhas e é isto mesmo que acontece!
Ela fala para o indivíduo: 


"Tá bom... vamos desviar agora a atenção da dor emocional que te faz sofrer para o físico e depois terás de lidar com o fato de esconderes as mutilações... assim ficarás distraído. A isso vou te juntar a culpa, a vergonha e a raiva. Pronto, estás ocupado por um tempo. Até à próxima."!! 

E assim o indivíduo vai levando a vida, cheia de sofrimento e dor de formas variadas.

Existe hoje em dia uma onda de tentar minimizar e tornar corriqueira esta questão, falando-se numa moda de jovens que tentam chamar a atenção ou simplesmente o fazerem para se inserirem em grupos... boa teoria para quem quer esconder a cabeça debaixo da terra!
A automutilação jamais será uma moda e sim um grito de ajuda silencioso que não pode calar! E isso não está acontecendo nos dias de hoje, é um sintoma de doença psicológica que já vem de muitos e muitos anos atrás. Para vos dar alguns exemplos vou vos falar do exemplo conhecido de 
Van Gogh, quando mutila sua orelha, pois é arte o momento de "loucura" que não podia esperar... o mesmo aconteceu com , por exemplo Renato Russo e com muitos outros artistas.
As neuroses dão lugar imediato á psicose e tudo acontece sem o indivíduo conseguir perceber... nada naquele momento é planejado ou pode ser controlado.

C
ada indivíduo é conhecedor de sua "loucura" cada um é demente dos próprios olhos, conhece a fundo o seu delírio e perde sua razão somente aos olhos dos outros a quem se conta a sua loucura e discursa sobre ela.
(BARTHES, 1991, p.144).

Falando ainda de Renato Russo (para dar um exemplo mais conhecido pelo público brasileiro), ele introduziu o tema da automutilação na ficção fazendo uma canção a respeito que passo a citar a letra:

"Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Aquele menino foi internado numa clínica
Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças
Dos sonhos que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha.
E Clarisse está trancada no banheiro
E faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete
Deitada no canto, seus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando ela se corta ela se esquece
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor, o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer.
Uma de suas amigas já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém entende, não me olhe assim
Com este semblante de bom-samaritano
Cumprindo o seu dever, como se eu fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente, ou inexistente
Nada existe pra mim, não tente
Você não sabe e não entende
E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito
Clarisse sabe que a loucura está presente
E sente a essência estranha do que é a morte,
Mas esse vazio ela conhece muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite
Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança e o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo
E que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todas as meninas e mulheres
Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Clarisse está trancada no seu quarto
Com seus discos e seus livros, seu cansaço
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir e vou voar pelo caminho mais bonito
Clarisse só tem 14 anos..."

Aqui ele fala da mutilação psicológica e física, tendo como objeto a música
“Clarisse” que fala de emoções e sentimentos do autor em relação a uma menina de 14 anos que vive no mundo das drogas.
Como vêm, a automutilação não é moda... muito menos apareceu agora. Também não é uma doença mas sim um sintoma de um transtorno sério.
Fique atento porque, quando diagnosticado a tempo tem cura.
O mostro não é o sintoma nem os olhos alheios mas sim o que está escondido e pode, com toda a certeza, vos assombrar por toda a vida de uma forma ou outra.


Por último gostaria a título de curiosidade e para que possam ficar alerta sobre novas descobertas de automutilação, para o caso da descoberta de cientistas depois de anos e mais anos de pesquisas, terem encontrado provas de pequenas alterações genéticas que podem levar a doenças terríveis. É o caso da Síndrome de Lesch-Nyhan (SLN), que é causada por uma mutação no cromossomo X que faz com que os pacientes, entre outros sintomas, passem a se automutilar.
A doença acomete homens na sua enorme maioria, havendo o registro de apenas uma mulher que sofreu com a síndrome desde que ela foi descoberta em 1964. As mulheres, no entanto, podem carregar o gene com a doença.
O tal gene sofre com a ausência de uma enzima chamada hipoxantina guanina fosforiboxiltransferase (HGPRT), que é fundamental para o funcionamento das células. Em uma célula saudável, espera-se que a adenina e a guanina (que formam o DNA) sejam quebradas pela HGPRT. Na falta dessa enzima, essas moléculas se decompõem em ácido úrico.
Por sua vez, o ácido úrico irrita as células e faz com que surjam cristais na urina, que são as famosas pedras no rim. A presença desses cristais é um dos principais fatores para o diagnóstico da Síndrome de Lesch-Nyhan, associada à automutilação.

Impulsos incontroláveis
Outra característica marcante da SLN são as alterações no comportamento do paciente, o que eventualmente leva a pessoa a morder e mastigar os lábios, a língua e os dedos. Sem controle, os ferimentos ganham um aspecto bastante desagradável. Embora os especialistas tenham descoberto novas informações sobre a doença, eles ainda não sabem explicar por que essa mudança de comportamento ocorre, mas eles têm algumas teorias.
A explicação mais simples acredita que as pessoas se mordem como uma resposta à irritação que o ácido úrico causa nas células. Outra teoria defende que os efeitos do ácido úrico no cérebro em desenvolvimento resultem na falta de dopamina e supostamente os ferimentos causariam a liberação de dopamina no cérebro. Isso significa que um simples machucado no rosto ou nas mãos causaria uma sensação de bem-estar que levaria a pessoa a se mutilar cada vez mais.

Há também quem defenda que a Síndrome de Lesch-Nyhan seja o oposto da Doença de Parkinson, pois os pacientes com Parkinson não conseguem dar início às suas ações, enquanto os que sofrem com a SLN não conseguem deixar de colocar em prática o que lhes vem à cabeça. Então, se eles pensam em se morder, eles vão fazer isso, mesmo que seja contra a própria vontade.
Em geral, os cientistas acreditam que exista um componente psicológico por trás das mutilações. Nesse sentido, um dos tratamentos mais comuns para as mordidas compulsivas é a completa extração dos dentes. Porém, os indivíduos que passam por esse procedimento param de se morder, mas passam a arranhar o rosto. Algum fator ainda desconhecido faz com que eles continuem se ferindo.
Mulheres com histórico da doença na família podem realizar testes antes de engravidar para saber se são portadoras do gene. Porém, a Síndrome de Lesch-Nyhan ainda não tem cura, o que faz com que os pacientes tenham apenas seus sintomas controlados.Nada disto tem a ver com a automutilação borderline nem consequente de doenças psicológicas mas é bom ficar atento nas novas descobertas e se atualizar, para poder distinguir uma coisa da outra e não confundir diagnósticos!

Por hoje é tudo.
Apenas um último apelo:

Se você se auto-mutila ou tem alguém que ama que o faz seja atento e solidário... 
NÃO SEJA IGNORANTE ou CONIVENTE!

FONTE sobre a Síndrome de Lesch-Nyhan:

  • io9

  • PubliMed


  • By: L.M. - Blog Apenas Borderline

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário

    Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.