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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Borderline e Restrição Alimentar como Comorbidade


Comida

Bebida é água,

Comida é pasto.

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?

A gente não quer só comida,

A gente comida, diversão e arte.

A gente não quer só comida,

A gente quer saída para qualquer parte.

A gente não quer só comida,

A gente quer bebida, diversão, balé.

A gente não quer só comida,

A gente quer a vida como a vida quer.

Bebida é água,

Comida é pasto.

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?

A gente não quer só comer,

A gente quer comer e quer fazer amor.

A gente não quer só comer,

A gente quer prazer pra aliviar a dor.

A gente não quer só dinheiro,

A gente quer dinheiro e felicidade.

A gente não quer só dinheiro,

A gente quer inteiro e não pela metade.

(Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto – Titãs)

--*--

Este tipo de Comorbidade que se refere à Restrição Alimentar costuma ser encontrada na classe de Borderline de Fronteira Tranquila e é a maior parte das vezes diagnosticada tardiamente porque não assume a maioria dos requisitos para ser reconhecido qualquer tipo de Transtorno Alimentar. Este tipo de recusa alimentar mal é percebido conscientemente pelo próprio paciente até ter desfecho trágico porque ele não se apercebe que está deixando a comida de lado, emagrecendo, definhando e dando lugar a outras coisas que para eles é bem mais importante como é o caso de sobreviver e seguir a vida em frente sem necessitar de pedir ajuda a ninguém.
Normalmente vão usando roupas largas (por defeito ou por feitio) para eles mesmos se continuarem enganando e enganarem os olhares menos atentos que, no caso, são a maioria porque eles se escondem a todo o custo.
Quando têm necessidade de acompanhamento médico ou hospitalar são feitos exames a tudo e mais alguma coisa até conseguirem chegar ao fundo do problema porque, por característica, jamais mostram a sua tristeza, dor e decepção com o que os rodeia e os agride, apenas querem ficar na sua depressão ensurdecedora invisível para estranhos e a desesperança existencial que parece engolir-los a cada dia.


A falta de características de desespero e dor nos pacientes Borderline de Fronteira Tranquila fazem com que muitos sintomas passem desapercebidos e só se diagnostiquem quando normalmente é tarde demais... a restrição alimentar é um deles.
O isolamento em si mesmos, apesar da maioria poder ter uma vida "social normal" faz com que pareça nada estar a acontecer mas um vulcão está dentro de cada um deles e prestes a explodir a qualquer momento, mesmo sem eles mesmos estarem conscientes disso. O isolamento com o exterior, fora as obrigações mais básicas de sobrevivência (como trabalhar, tomar banho, dormir, pagar as despesas no final do mês e pouco mais), começam a fazer parte das suas rotinas e a alimentação não é uma forma de sobrevivência a considerar por eles com toda a certeza.
Eles são autênticos mestres do disfarce em esconder os problemas emocionais até deles mesmos. É facilmente entendível como alguém que não viva com eles pode ser facilmente ludibriado... mas e quando vira um caso médico? Até que ponto episódios destes podem passar desapercebidos apenas porque não satisfazem as características normais de Anorexia nervosa ou Bulimia?
Ou porque a pessoa já é uma adulta e as recusas alimentares se encaixam apenas nas crianças e adolescentes? Tem uma pessoa que dar importância à imagem corporal para deixar de se alimentar?


Para explicar um pouco melhor, de uma forma muito breve, vou esclarecer aqui alguns conceitos que estes Borderline de Fronteira Tranquila jamais se encaixarão:

As características essenciais da Anorexia Nervosa são a recusa do paciente a manter um peso corporal na faixa normal mínima associado à um temor intenso de ganhar peso. Na realidade, trata-se de uma perturbação significativa na percepção do esquema corporal, ou seja, da auto-percepção da forma e/ou do tamanho do corpo e, assim sendo, a recusa alimentar é apenas uma consequência dessa distorção doentia do esquema corporal.

O termo Anorexia pode não ser de todo correto, tendo em vista que não há uma verdadeira perda do apetite mas sim, uma recusa em se alimentar. A Anorexia Nervosa é então, um transtorno alimentar caracterizado por limitação da ingestão de alimentos, devido à obsessão de magreza e o medo mórbido de ganhar peso.
Normalmente a pessoa anoréxica mantém um peso corporal abaixo de um nível normal mínimo para sua idade e altura. Quando a Anorexia Nervosa se desenvolve em numa pessoa durante a infância ou início da adolescência, pode haver fracasso em fazer os ganhos de peso esperados, embora possa haver ganho na altura.
Nos casos mais graves o paciente adota métodos adicionais de perda de peso, os quais incluem auto-indução de vômito, uso indevido de laxantes ou diuréticos e prática de exercícios intensos ou excessivos.
As pessoas com este transtorno têm muito medo de ganhar peso ou ficar gordos e este medo geralmente não é aliviado pela perda de peso. Na verdade, a preocupação com o ganho ponderal freqüentemente aumenta à medida que o peso real diminui.
A vivência e a importância do peso e da forma corporal, como dissemos, são distorcidas nesses pacientes. Alguns deles acham que têm um excesso de peso global, independentemente dos resultados contrários da balança. Outros percebem que estão magros, mas ainda assim se preocupam com o fato de certas partes de seu corpo, particularmente abdômen, nádegas e coxas, estarem "muito gordas".

Assim que a hipótese da Anorexia ou Anorexia Nervosa fica posta de parte... e a Bulimia é descartada logo desde o início.
Nada disto fará sentido nunca para um Borderline de Fronteira Tranquila e eles fazem questão de o manifestar de imediato porque simplesmente não se identificam com nenhum dos sintomas de base dos Transtornos Alimentares e também não se importam com nada. Apenas não comem porque não é uma prioridades deles, não sentem fome, não olham para si mesmos, não vivem... apenas existem. Conseguem ver claramente a diferença entre as patologias?
A coisa começa a ficar um pouco mais grave quando as pacientes do sexo feminino começam a apresentar supressão das menstruações (amenorreia). Isso ocorre devido aos níveis anormalmente baixos na secreção de estrógenos que, por sua vez, devem-se a uma redução da secreção de hormônio folículo-estimulante (FSH) e hormônio luteinizante(LH) pela pituitária. Essa ocorrência indica séria disfunção fisiológica. 
A amenorreia em geral é uma consequência da perda de peso mas e com certeza estes pacientes terão mais facilidade que os anoréticos ou bulímicos em a contrair porque o Borderline de Fronteira Tranquila apenas não se alimenta... pode passar 1 dia com uma maçã ou um iogurte. Se por acaso esquecer alguma destas coisas na geladeira não fará falta... qualquer copo de água ou café puro quando der sede fará o mesmo efeito para eles. E o impressionante é que conseguem funcionar até ao dia de exaustão que pode levar meses consecutivos.

Quando o paciente busca auxílio por conta própria, geralmente é pela fadiga e por causa do sofrimento subjacente às sequelas físicas e psicológicas da inanição. Raramente um Borderline de Fronteira Tranquila se aperceberá conscientemente da perda de peso em si, apenas quando é forçado a encarar a realidade e existirá sempre uma negação ou um tanto faz em relação a tudo o que continue a poder viver "sem", vivendo no automático sem problemas de maior. E não é, com certeza, porque se olham ao espelho e lhes parece que estão gordos mas simplesmente porque não se olham ao espelho!
Pode ser muito frequente que em alguma ocasião em que tenham de se alimentar em frente a alguém os seus bolsos, mochilas ou bolsas cheguem a casa recheados de "espécimes" a serem despejados no lixo sem demora... então ninguém se aperceberá de nada se realmente não estiver vendo e apenas olhando para o que está à sua frente. 
Só um grande observador, especialista no assunto ou experiente (quem tenha passado pelo mesmo problema na pele) será capaz de ver o que está acontecendo antes de que o paciente tenha de ser internado à força.

Como a regra do 8 ou 80 não pode escapar nem aqui, eles terão com toda a certeza um dia em que passarão numa sorveteria e levarão para casa um sorvete de 1 quilo para comer vendo o seu filme preferido ou apenas lendo um livro... mas será uma exceção com poucas repetições... tantas quantos os ataques de raiva e ódio que muito raramente vêm ao de cimo para se manifestar.

Em resumo do ponto de vista psicológico, seja a restrição alimentar, a anorexia nervosa ou a bulimia, representam uma tentativa de solução ou disfarce de conflitos internos, mas que além de não solucionar os conflitos, acaba por criar mais problemas relativos à perda excessiva de peso.
O alimento está associado a carinho, a cessação de um desconforto desde as primeiras horas de vida da criança. Por isso, os distúrbios alimentares apresentam bases psicológicas que denotam conflitos afetivos associados à busca por alguma coisa, por exemplo: por um afeto inatingível, pelo preenchimento de um vazio interior, por segurança, por autoconfiança, aspectos que levam às sensações primárias de contato com a figura da mãe, na verdade da "mãe boa", aquela que alimenta, que nutre, que acolhe e protege. 
Outras vezes, o alimento está associado aos sentimentos e emoções carregadas de conteúdos negativos, tais culpas infundadas, remorsos, raivas, ódios, frustrações e depressões e, nesses estados a pessoa usa o alimento para compensar tais desafetos, isto por não se sentir à vontade em expressá-los, e, acaba usando seu corpo como instrumento de sua própria vingança.
Mas observa-se na prática clínica, o quanto os distúrbios alimentares podem estar associados a negação da sexualidade, sendo que nas mulheres isso sugere até um desejo em se parecer com a parte dominante das relações ou situações envolventes de toda a sua vida por uma enorme necessidade de poder e controle.

Algumas alterações características como baixa auto-estima (emocional e poucas vezes física), rigidez no comportamento, distorções óbvias cognitivas, necessidade de manter controle completo sobre sua vida, falta de confiança podem anteceder o desenvolvimento deste quadro clínico nos Borderline de Fronteira Tranquila mas nunca podemos esquecer que distúrbios alimentares acarretam tanto sintomas físicos quanto psíquicos em todos os tipos de enfermidades então devemos sempre estar atentos!! 
Um tratamento precisa ter sempre as duas vertentes de intervenção (mente e corpo) senão jamais terá sucesso!
Apenas nomearei aqui alguns tipos de terapia em que se verificaram excelentes resultados no melhoramento e até cura deste tipo de transtorno alimentar... os procedimentos médicos quando se chega a um peso abaixo dos 30kgs num adulto já todos sabem qual será:


Terapia Gestalt: a situação Here & Now do paciente é tomada como ponto de partida. Se no momento o paciente está aborrecido com o cachorro, este passa a ser o foco inicial. O tom da voz, gestos e postura corporal do paciente ao narrar fatos fornecem informações mais importantes que a pergunta sobre a última refeição. Aqui por mais estranho que pareça não importa a pergunta mas o terapeuta e a sua especialidade ao analisar todos os movimentos corporais, expressões faciais, tons de voz e reações às perguntas.Nada ficará por analisar embora tenha vezes que pareça meio louco.rsrs (mas não o é!)
Psicanálise: Terapia que toma como ponto de partida um conflito inconsciente como causa do transtorno. Quem não come talvez esteja com receio da vida adulta, por ter vivenciado adultos como seres brutais. À medida que sentimentos como esse tornam-se conscientes ao longo de anos de tratamento, é possível que se abrandem as conseqüências de vivências traumáticas e que o paciente se abra a novas experiências.

Terapia Sistêmica: de acordo com a compreensão sistêmica o ser humano é uma parte da rede de relações de seu ambiente. Sintomas de doenças são a expressão de determinados modelos relacionais. A filha, por exemplo, recusa o alimento por recusar a própria mãe, mas não tem meios para manifestar esse sentimento. As intervenções terapêuticas têm por meta tornar claros esses modelos e com isso ampliar as possibilidades de ação dos envolvidos.

Terapia Comportamental: método que contém um espectro de técnicas fundadas sobre leis de aprendizagem, conhecimentos provenientes da psicologia experimental e social e conhecimentos médicos sobre o corpo. Passo a passo os pacientes com distúrbios alimentares aprendem a fazer aquilo de que têm medo: comer com regularidade e defrontar-se com sua imagem no espelho.

Espero que tenha conseguido trazer alguma luz no fundo do túnel de alguém e que essa pessoa consiga tomar consciência de que o que está passando acontece com uma pequena maioria de pessoas (apenas 8% dos pacientes Borderline são de Fronteira Tranquila) mas pode ser a principal causa de morte... uma morte muito sofrida onde os órgãos vão começando a falhar um por um lentamente. Então olhe um pouco mais para si, por si e só depois para os outros... e acima de tudo procure ajuda imediata!

By: L.M. - Blog Apenas Borderline

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